Thursday, March 31, 2016

A noite, o sono, e as contas de fantasmo

"SEGUNDA: Há qualquer coisa, que não sei o que é, que vos não disse... qualquer coisa que explicaria isto tudo... A minha alma esfria-me... Mal sei se tenho estado a falar... Falai-me, gritai-me, para que eu acorde, para que eu saiba que estou aqui ante vós e que há coisas que são apenas sonhos..."
(O marinheiro, 217)

Nesta parte do teatro O marinheiro por Fernando Pessoa, uma moça veladora conta de um sonho que teve na infância, e fala como se não se lembrasse. Ela quer que as outras moças, a quem ela contava o sonho gritem para acordá-la, ou que falem alguma coisa que pudesse acordá-la a si mesma. No teatro inteiro, as moças falam como se tivessem se esquecido, ou se sentissem fora se si mesmas. Isto é um aspecto interessante da vida, porque há muitas pessoas, e muitas vezes que as pessoas se sentem que estão vivendo um sonho, ou que estão fora de si mesmas, e Fernando Pessoa encaixou muito bem este sentimento.

Me lembro de muitas vezes que eu me senti assim, e ainda mais para relatar ao teatro, tinha muitas vezes à noite que senti assim. Me lembro de muitas vezes, durante um acampamento, em que tinha o pessoal sentado ao redor da fogueira e ficamos todos contando histórias de fantasmas, para nos espantar. Teve vezes em que estas histórias pareciam ser tão verdadeiras e a gente ficava fitos no conto. Ficava depois tão estranho para sairmos daí e ir dormir. Também, como eu acho que acontece com as veladores, já tive vezes que eu fiquei acordado a noite inteira com meus amigos, num lugar estranho, e ficamos contando estas histórias. Acontecia conosco do mesmo jeito que acontece com elas; O sonho parece ser real, e a gente fica com tanto sono que não dá para perceber qual que é a realidade, se é o sono, ou o lugar de onde vem as vozes que contam as histórias (onde estão os nossos corpos). E assim, como as veladores falam, perece que a pessoa, a voz, e o sentido das palavras são inteligências diferentes e distintas.

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